A Holding Familiar Rural: Mitos, riscos e a reforma tributária

A holding familiar rural vem se popularizando ao longo dos anos, no entanto, merece cuidados e atenção ao real propósito da sua constituição.

O termo Holding, vem do verbo inglês “to hold”, que significa segurar, manter ou controlar. Logo, trata-se de uma empresa que controla outras empresas, ou seja, detém participação societária de outras empresas.

Essas Holdings podem ser puras, aquelas cuja finalidade é apenas participar de outras empresas, ou mistas, onde além de controlar empresas, executa outras atividades.

No meio rural, é comum pensar em “Holding familiar” como instrumento para controle do patrimônio ora pertencente às pessoas físicas. Logo, tal empresa não necessariamente controla outras sociedades e, sim, controla o patrimônio da família empresária.

Segundo alguns autores, a popularização dos Holdings Familiares deve-se a descoberta de benefícios societários na distinção clara entre patrimônio, família e gestão do negócio, o que contribui muito para a profissionalização, maturidade e longevidade da empresa familiar.

Concordo plenamente que esses são, de fato, os maiores benefícios, mas não podemos deixar de fora da análise sobre tal popularidade uma questão econômica: a expectativa de economia tributária na sucessão do patrimônio através dessa ferramenta.

O imposto sobre a doação ou herança nas pessoas físicas, incide sobre o valor de mercado dos bens na data da doação ou do falecimento, respectivamente.

Até o ano de 2015, aproximadamente, os estados e o Distrito Federal, que são quem tem a competência para arrecadar esses tributos, entendiam que, em caso de pessoa jurídica, a incidência seria sobre o valor nominal das quotas que, de acordo com a legislação, poderia ser o valor que constava no imposto de renda para esses bens no momento da criação da empresa.

Assim, pagar os tributos na sucessão em vida, através de doação ou na sucessão pós morte, na herança, em caso de holding familiar era mais vantajoso tributariamente do que se esses imóveis pertencessem às pessoas físicas, visto que a base de cálculo não era levada a avaliação do valor de mercado e, efetivamente, o imposto acabava incidindo sobre o valor informado na declaração de imposto de renda, geralmente defasado devido a constante valorização dos imóveis, principalmente no meio rural.

Só que, em 2015 o país passou por uma grande crise, com queda no PIB de 3,8%, afetando a arrecadação tributária. À época, foi a maior queda desde o ano de 1990, quando houve o confisco das cadernetas de poupança no governo de Fernando Collor de Mello e o PIB caiu 4,35%. Como efeito comparativo, no ano de 2020, no auge da pandemia da COVID-19, o PIB encolheu 4,1%.

Nota-se que o ano de 2015 foi muito similar, economicamente, ao recente ano de 2020. Como curiosidade, o PIB do agronegócio cresceu em ambos os períodos, 1,8% em 2015 e 2% em 2020, mas não impediu as maiores retrações da economia desde 1990.

Com a retração econômica, veio a necessidade de aumentar a arrecadação. Nesse período houve oneração das alíquotas de ITCMD (imposto sobre doação e heranças) em alguns estados, com muitos deles chegando à possibilidade da alíquota máxima prevista pelo senado, que é de 8%.

Além disso, percebeu-se dentro das empresas outra possibilidade de aumento de arrecadação. Para tanto, não foi necessário a mudança de nenhuma legislação, apenas uma mudança de critério contábil na hora da avaliação das quotas feita pelos estados nas doações e heranças.

Ao invés de avaliar as quotas pelo seu valor nominal, ou pelo patrimônio líquido presente no balanço patrimonial das empresas, começou-se a apurar o valor de mercado dessas quotas, ajustando o patrimônio líquido da empresa pelo critério de reavaliação dos ativos e passivos pelo valor presente, incluindo-se a atualização dos ativos ao valor de mercado na data do fato gerador.

Na prática, isso faz com que na maioria dos estados brasileiros, a avaliação das quotas das empresas seja equivalente ao valor real das terras, como é apurado nas pessoas físicas.

Como exemplos práticos, destaco os estados de Goiás e Mato Grosso do Sul, que alteraram a legislação deixando mais claro o critério de avaliação e de Santa Catarina, que mesmo sem alterar os dispositivos, lançou um comunicado em 2015 sobre a forma correta de avaliação de quotas (pelo valor de mercado da empresa) e em 2016 deflagrou a operação “Holding Familiar”, visando o combate a sonegação fiscal na abertura de empresas para o recolhimento de um imposto menor.

Portanto, hoje, pode-se dizer que essa economia tributária na sucessão através das holdings familiares é um mito, mas é inegável a sua contribuição para a popularidade atual do instrumento jurídico.

Falando em mitos, o termo blindagem patrimonial também é bastante presente quando se trata do tema, mas não existe de fato. Pode haver uma proteção do patrimônio e da escala da empresa familiar através de cláusulas previstas no contrato social da holding, mas não há a blindagem propriamente dita.

Por exemplo, terceiros indesejados não entram na sociedade, mas se têm direito a quotas por herança ou se há uma penhora das quotas de um sócio por dívidas pessoais, esses terceiros receberão os seus valores de direito. Se não há dinheiro em caixa, a empresa precisará se desfazer de patrimônio para arcar com as obrigações.

Um maior esclarecimento quanto a esses dois mitos, ajuda o produtor a visualizar os reais benefícios que uma Holding Familiar Rural pode trazer para o seu negócio. Mas, embora menores, também devem ser avaliados alguns pontos de atenção que dificilmente são tratados e, principalmente, grandes riscos envolvidos, os quais nem sempre são percebidos.

Com esses elementos em mãos, é possível saber se a constituição dessa empresa é realmente o melhor caminho, visto que cada caso é muito particular e específico: a holding pode trazer grandes benefícios para um vizinho e enormes transtornos para o produtor que resolver cria-la com base no sucesso alheio, pois não existe uma fórmula, ou receita pronta.

Principais benefícios

  • Profissionalização;
  • Organização patrimonial;
  • Segregação de atividades;
  • Proteção aos fundadores;
  • Previsão de entrada e saída de sócios;
  • Regra de venda de quotas;
  • Divisão de bens facilitada;
  • Economia com as custas do inventário;
  • Redução de conflitos;
  • Novas possibilidades de estruturação societária e tributária do negócio.

Alguns pontos de atenção

  • Aumento da complexidade operacional;
  • Declarações acessórias em maior volume;
  • Possível aumento de custo com o contador;
  • Imposto mais elevado sobre o rendimento de Aplicações financeiras;
  • Necessidade de pró-labore oficial para os sócios, com os devidos encargos.
 

Maiores riscos envolvidos

  • Apenas criar a holding e não operar da maneira correta;
  • A empresa não existir de fato, não ter vida própria ou propósito para existir;
  • Confusão patrimonial entre a empresa e os sócios;
  • Distribuição de lucros não deliberados e/ou sem as formalidades necessárias;
  • Falta de contratos para o adequado uso dos imóveis;
  • Incidência de imposto de renda na integralização de bens e benfeitorias da atividade rural;
  • Risco na sucessão do patrimônio em vida com falecimento fora da ordem natural;
  • Imposto pode ser mais alto na venda dos imóveis se não houver planejamento;
  • Risco de cobrança de ITBI na integralização dos imóveis (atenuado por decisões recentes, mas ainda não afastado totalmente);
  • Possíveis mudanças legislativas.

Esses dois últimos itens merecem uma abordagem mais detalhada, pois são fonte de preocupação para muitos produtores rurais atualmente.

A Constituição Federal garante a imunidade do ITBI na integralização dos imóveis para formação do capital social, ou seja, para a criação de uma empresa como as holdings familiares. A única exceção seria quando a atividade preponderante for a venda, aluguel ou arrendamento desses imóveis (o que também anda sendo discutido judicialmente hoje em dia, com entendimento de que nem nesses casos haveria a cobrança).

Ainda, como vimos, há a previsão legal para que os imóveis sejam integralizados pelo valor constante nas declarações de imposto de renda.

Logo, o procedimento padrão era: apresentar documentação na prefeitura comprovando que a atividade rural exercida no imóvel, ou outras que não fossem a venda, aluguel ou arrendamento, representassem mais de 50% do faturamento. Comprovada a validade da documentação pelo município, era fornecida uma “guia isenta de ITBI” para amparar a transferência junto ao registro de imóveis.

No entanto, em 2015 o STF admitiu a repercussão geral sobre uma possível incidência do ITBI sobre a diferença positiva entre o valor do imposto de renda para o valor de mercado dos imóveis em um caso da prefeitura de São João Batista/SC. Isso fez com que algumas prefeituras começassem a cobrar esse imposto ou então a condicionar a guia isenta ao futuro julgamento definitivo do STF.

Em agosto de 2020, finalmente saiu a decisão do STF, favorável ao município catarinense e, consequentemente, favorável a cobrança de ITBI sobre essa diferença. Só que, a decisão do STF tratava de um caso muito específico, onde o contribuinte não apenas integralizava os imóveis pelo valor de imposto de renda; ele também reconhecia em seu contrato social os valores de mercado dos imóveis e tratava essa diferença como “Reserva de capital”.

Logo, a decisão do STF, por mais que a ementa tenha ficado um pouco ampla, definia a incidência de ITBI sobre tais reservas de capital e não sobre a diferença do valor do capital formado para o real valor de mercado dos imóveis.

Embora alguns municípios ainda estejam cobrando os valores, já existem decisões favoráveis ao contribuinte, afastando a cobrança do ITBI na integralização dos imóveis para a abertura dessas holdings, o que abre precedente para ações administrativas e/ou judiciais.

Já quanto as possíveis mudanças legislativas, não tem como não pensar na reforma tributária, um tema recorrente e muito necessário para a simplificação do complexo sistema tributário brasileiro. Nesse quesito, claro que é necessário analisar todos os cenários que podem impactar os negócios e ficar atento às mudanças, mas precisamos trabalhar sempre com a legislação vigente.

Melhor dizendo, avaliar os possíveis impactos e possibilidades de mudanças de rotas de acordo com cenários que possam se concretizar nas reformas, mas não tomar decisões única e exclusivamente por haver um projeto ou outro tramitando. Um exemplo concreto do que estou falando é a possível tributação dos lucros e dividendos.

A tributação sobre os lucros existiu de 1926 até 1995 e em 1999 já houve o primeiro projeto de lei tentando tributá-los novamente. Até os dias de hoje, outros inúmeros projetos para tributação dos lucros tramitaram na câmara e no senado. Nenhum foi convertido em lei até então.

Logo, o risco de tributação de lucros existe há praticamente 23 anos. Inclusive já tivemos projetos em anos de crise similar a que nos encontramos, como no ano de 2015, com grande probabilidade de aprovação, mas que também acabaram não saindo do papel. No entanto, empresas continuaram a ser abertas e não poderia ser diferente.

Portanto, se o produtor conseguir visualizar os reais benefícios da holding, não será uma reforma tributária que inviabilizará a abertura da empresa, assim como as mudanças de interpretação de estados e municípios que mencionei, tanto as definitivas quanto aquelas temporárias, também não inviabilizaram.

Agora, se o interesse está ligado apenas às questões tributárias, a holding tem grande risco de não ser uma boa ideia, até porque nenhum planejamento tributário deve visar somente a redução de tributos.

Observações importantes

  • Cuidado com a popularização das holdings no meio rural e o real propósito da constituição dessas empresas;
  • Não é porque um vizinho fez, que a ideia vai se encaixar para todo produtor;
  • Os maiores benefícios não são fiscais ou tributários;
  • Traçar possíveis cenários com uma possível reforma tributária, mas trabalhar com a legislação vigente.

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